sexta-feira, 18 de julho de 2008

BABY GARROUX


HOMENAGEM AO BELL
Grande poeta e amigo parceiro de poemas no meio da praça, das ruas, de um tempo bom que não volta mais; apenas nas lembranças da poesia eterna.
"Não vim aqui para vos bajular/Contar piadas picantes/ou cantar canções de amor adolescentes./ Não venho aqui para vos fazer cócegas na alma/ou na planta dos pés/tampouco trazer-vos os lírios do campo./Venho para dizer-vos como se diz para irmãos/ao redor de uma fogueira ou de uma mesa:/ou a gente mete uma bala na cabeça/ou fica no redemoinho vital/para dizer e denunciar./Alegra-te cidade, terra e mar./Alegra-te campo de amor./Alegra-te que a poesia é canto,/ainda é canto,/e é grito, ainda é grito,/e o poeta vai a praça/levando um povo pelas mãos/e um coração na grande vontade de amar."Este é um poema de Lindolf Bell que serviu de abertura para inúmeros recitais e leituras de nosso grupo e alguns ainda somos amigos: a Catequese Poética. E através dele, sempre foi possível sentir, a intenção e o desejo do Bell, e de cada um de nós, em reconduzir o poema aos limites amplos da pessoa, da praça, da comunidade. O poema é o dilema. O poeta é o que projeta: palavras arrancadas de um dicionário cardíaco. Contaminado coração. Contagiada palavra por usos, abusos e lambuzados corpos e sonhos infantis. E tudo situado nesse real lugar onde se desdobram os sinais e as sinas de atlânticos e pacíficos. E aqui contemplo - diz Rubens Jardim - o verídico enxergar da luta rápida entre a letra viva e o oceano lento. Mares da infância. Ares de rio. Pomares. Ambígua volta em torno de ambígua ida. Tudo ambigüidades, é claro. Até porque, como é possível capturar a abrangência deste instante, de celebração e de homenagem a um poeta morto, se nós sabemos que quando um poeta morre todos nós morremos também."Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre, nem sou triste. Sou poeta". E o que é o poeta senão essa criatura sem equivalência, a transbordar de seus limites humanos, em vício ou virtude, a exceder a multidão que o contempla ou não contempla, entende ou não entende, combate ou glorifica - mas não pode deixar de saber que está presente. Que é o poeta senão o ouvido que melhor ouve o apagado e esquecido e recolhe a sua informulada queixa e seu cântico longínquo? O olho que mais longe avista, até onde as formas são simples esquemas, onde tudo que parece o mais simples se desdobra e entrelaça em trama profunda.Sem ser Deus, nem profeta, nem sábio, mas tudo isso, imperfeita e amargamente, porque é apenas um poeta. E poeta é mesmo assim: múltiplo, complexo, contraditório, solitário e plural, humilde megalômano, desgraçado feliz, audaz e tímido, antinômico, poliedro de cristal com uma luz diferente em cada aresta.E ESTA É APENAS UMA DAS ARESTAS--QUE RESTAM-- PARA ME LEMBRAR DE TI, AMIGO, MENINO, IRMÃO, COMPANHEIRO. Ninguém escreveu com tanto sangue e com tanta fraternidade como você. Nem mesmo Nietzsche, nosso irmão de adolescência. Nem mesmo Rilke, perdido e achado entre Duino e Raron, as Elegias e as Cartas. Nem mesmo Drummond, Bandeira, Pessoa, Jorge de Lima, Saint John Perse,T.S.Eliot . E como são cada vez mais raros os poetas que são poetas 24 horas por dia! E você foi assim naturalmente, espontaneamente. E por isso te chamo menino, mestre, bruxo, cidadão do mundo e de Timbó. Você acreditou sempre, tal como o poeta Pablo Neruda, que é preciso escrever para o povo - MESMO QUE O POVO NÃO POSSA LER POESIA COM SEUS OLHOS RURAIS. Será que o tempo abrirá o grão do esquecimento na polpa seca ou na casca dura deste instante de difícil travessia? Ó meu velho e querido poeta, as crianças traídas estão ainda mais traídas agora sem a tua presença, pois ninguém mais se dispõe a recolher as lágrimas das mães numa bacia de sombra,e é muito raro alguém amar os amigos de pés no chão e mais raro ainda alguém reconhecer que foi a criança sem ciranda e acreditou numa igualdade total.Bell, ninguém mais está interessado na metamorfose de Deus. E acho que ninguém mais se lembra daquela tua advertência de que Deus está se transformando em um poste onde os homens urinam.Ou ainda da tua reivindicação da nossa morte natural e lírica sem nenhuma dessas abomináveis presenças: CTI, UTI.Pouca gente ainda acredita que a poesia é terrível soerguimento, necessidade atávica e concreta de todo ser humano. Esquecemos que a dimensão do poético é a dimensão do festivo e a poesia só existe mesmo é pra provar que o celeiro é inextinguível, que a estrela é cotidiana, e que o amor nasce e renasce como os grãos da romã que você ganhou de minha avó Elisa e ficarão lá, em Timbó, como testemunho do nosso infinito parentesco. Disseste em um poema que quase chegar é sempre perder a hora e encontrar o fruto seco de tanto esperar. E eu sempre te disse, em selvagens palavras, que a nossa única e possível conquista era a infância reconstruindo em nós um coração sem margens. Em ti, era o rio e o seu desvario, (rio-rio, rio-acho, rio que racho nas entranhas deste pesadelo). O rio e seu mistério, (dois rios cruzam minha vida,/um correndo norte/outro correndo sul,/e dentro do que foi/e do que virá/sou onde se cruzam os dois.) O rio e seus atavios (e tu és a viagem / que algum dia/ alguém deixou de fazer/ não por perder o navio/ mas por perder-se...) O rio e suas águas sempre novas e sem antiguidade -- como queria Heráclito.Mas era, é claro, muito mais do que isso. Era Timbó, a casa da tua meninice se abrindo, como “íntima aresta que te ata em nó e não desata”. Era também a sobrevivência do grande pomar da infância, florescido lá. Ainda assim a porteira da infância range e abre auroras indecifráveis pra você mesmo, ao ferir e referir. E ao denunciar a legítima gênese do teu lirismo. Em ti, também, estava o vale, —este Itajaí que te fundou e te findou — e que tu levaste aos limites de um chamado pleno, voz que ecoa em Raron, na tumba amada de nosso outro poeta amado, (com os sons do sino, com os sons da sina), e até em Sils Maria e Naumburg —onde outro irmão nosso sentiu o além-do-homem e cantou desesperado o seu Zaratustra. E eu canto o quê, meu irmão irmado, imã de mim na correnteza cardíaca que arrasta minha alma e meu corpo através deste inacabado encontro, que nunca teve datas nem de ir e nem de vir. Eu só quero mesmo te dizer isso: que dentro das tuas palavras, dos teus gestos mais febris, dentro da tua garganta e debaixo das tuas unhas, e sempre diante dos girassóis e sempre ainda diante dos plátanos que foram sempre companheiros da tua alegria de viver e conviver:
“ É MISTER QUE O AMOR SEJA CRUEL
CLARO É O QUE É CLARO.
TUDO PARECE SIMPLES
QUANDO NÃO EXIGIMOS MUITO.
OS OLHOS QUANDO SE JUNTAM,
NÃO SE JUNTAM, ACASO,
COMO RIOS FORA DE TODOS OS CURSOS?
ANTES, MUITAS SORTES HABITAVAM-TE
COMO LÂMPADAS ACESAS.
E,SE HOJE, A PENUMBRA SOBREVÉM,
AS MÃOS SE JUNCAM COMO TREPADEIRAS,
E O VÍNCULO DO AMOR
PERMANECE UMA LINGUAGEM,
SABE-SE MELHOR,
QUE AQUELES QUE PASSAM
SÃO AQUELES QUE FICAM MAIS FUNDO EM NÓS.**
* trechos de 2 poemas de Cecília Meireles montados por Rubens jardim.
**poema de Lindolf Bell.

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