quinta-feira, 23 de julho de 2009

RICARDO CORONA


UM SUPERMERCADO DA CALIFÓRNIA
Estive pensando em você essa noite, Walt Whitman, enquanto caminhava pelo beco debaixo das árvores com uma tímida dor de cabeça e olhando a lua cheia.
Em meu esfomeado cansaço, fazendo compras na imaginação, entrei no supermercado de fruta de néon, sonhando com suas listagens!
Que pêssegos e que penumbras! Famílias inteiras comprando à noite! Corredores cheios de maridos! Esposas nos abacates, bebês nos tomates! — e você, Garcia Lorca, o que estava fazendo ali perto das melancias?

Vi você, Walt Whitman, sem filhos, velho vagabundo solitário, mexendo nas carnes do refrigerador e flertando com os meninos vendedores.
Ouvi você perguntar a cada um deles: Quem matou as costeletas de porco? Qual o preço das bananas? Você é meu anjo?
Vaguei entre pilhas brilhantes de latas seguindo você e sendo seguido na minha imaginação pelo segurança da loja.
Percorremos os largos corredores, juntos em nossas solitárias fantasias, provando alcachofras de gosto exótico, cada delícia congelada sem nunca passar pelo caixa.
Para onde vamos, Walt Witman? As portas se fecham em uma hora. Qual o caminho que sua barba hoje indica?
(Toco em seu livro e sonho com nossa odisséia no supermercado e me sinto absurdo.)
Passearemos a noite toda nessas ruas solitárias? As árvores somam sombras às sombras, luzes apagadas nas casas, ambos estaremos sós.
Andaremos à toa e sonharemos com a hoje perdida América do amor, depois passaremos por automóveis azuis no estacionamento a caminho de nossa cabana silenciosa?
Ah, querido pai de barbas grisalhas, velho e solitário mestre da coragem, qual América era a sua quando Caronte deixou de empurrar o seu barco e você desceu na margem esfumaçada e ficou assistindo o barco desaparecer nas negras águas do Letes?

Allen Ginsberg
Berkeley, 1955
Tradução Ricardo Corona

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