sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

PIER PAOLO PASOLINI


Capriccio all'italiana (Capricho a Italiana) - episodio: O que são as nuvens?

Produção: Itália, 1967
Duração: 22 min
Idioma: italiano (legendas eletrônicas em português)


Em um teatro, diante de um público popular, é encenada uma versão cômica da tragédia "Otelo", de Shakespeare, em que atores reais fazem papel de marionetes. O invejoso Iago, alferes de Otelo, mente ao seu senhor. Diz que sua amada mulher, Desdêmona, o havia traído com Cássio, soldado de sua confiança. Otelo não se conforma e quer vingança. O público não aceita o final da história, invade o palco e reverte toda a situação.

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Che Cosa Sono le Nuvole? ("Que Coisa São as Nuvens?", 1967), episódio do filme Capricho à Italiana, uma farsa no estilo do genial A Terra Vista da Lua, e um dos melhores curtas de Pasolini, parábola cômica, grotesca e profundamente triste. Um teatro de fantoches encena o Otelo de Shakespeare para um público popular. Os fantoches são atores com cordas amarradas nos braços e pernas. Totó representa Iago, com um esquisito chapéu negro, uma roupa de bufão sinistro e a cara pintada de verde. Ninetto Davoli faz um jovem Otelo meridional, com trejeitos e dialeto de subproletário. Tem o rosto pintado de chocolate. Desdêmona é encarnada por Laura Betti, com voz esganiçada e rosto de boneca de porcelana. Um cômico popular, ex-parceiro de Cicio Ingrazia, faz um Cássio perfeito, um fantoche em cena e também nas mãos do maquiavélico Totó-Iago. Mas, na cena final, quando Otelo começa a estrangular Desdêmona, o público invade o palco e separa os bonecos, investindo contra aqueles personagens que, a seu ver, deveriam ser linchados, ou seja, o Totó-Iago e o Otelo-Ninetto. Os dois são estraçalhados pelo público: assim inutilizados, são descartados pelo dono do teatro.

O resto da troupe de bonecos chora o abandono e a morte dos dois parceiros. Totó e Ninetto, descarregados pelo furgão numa montanha de entulho, estão quebrados, mas ainda vivem em seu estado de bonecos falantes. Ninetto vê, então, pela primeira vez, o céu, carregado de nuvens. Maravilhado ele pergunta: "Que coisa são as nuvens?" E Totó, como sem resposta diante da imensidão da realidade, responde: "Maravilhosa beleza da criação!" Pasolini reescreve a tragédia de Shakespeare do ponto de vista do povo e de seu próprio ponto de vista. Para o povo, Otelo e Iago deveriam morrer para que Desdêmona pudesse formar o "casal perfeito", branco, loiro, bom, normal. Mas Pasolini sacraliza os marginais. O verde Iago e o Otelo cor de chocolate já são diferentes dos outros bonecos por sua cor. Eles representam a alteridade que perturba a massa. Neles, as paixões (inveja, ciúme) são mais fortes que a razão e por isso são condenados e linchados pelo povo e atirados no lixo, fora da cidade, zona limite que marca o lugar que a sociedade reserva aos diferentes. Nesta extrema humilhação, contudo, eles descobrem o êxtase, a realidade que havia sido encoberta pelo teatro da sociedade, as nuvens que estão no céu, como uma força da natureza: o desaparecimento destes fantoches causa profunda tristeza: a sociedade só perde quando extermina seus antagonistas. Ao mesmo tempo, há alegria na morte porque, para Pasolini, só ela dá sentido à vida.
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Fonte:
http://www.grude.ufmg.br/gerus/noticias.nsf/e76867f1f59135c983256bd8006d3f64/ddac255ed76bf95183256c5200121714?

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