terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

GEORGE HARRISON

LIVING IN THE MATERIAL WORLD/GEORGE HARRISON

"Living In the Material World",do ex-beatle GEORGE HARRISON - Eu tenho este disco ainda em vinil,acreditem! Eu o comprei já na era dos cds,numa lojinha, entre discos empoeirados, aquela capa dupla  escura com uma mãozona emblemática - um disco carregado pelo sucesso de GIVE ME LOVE, anos depois,regravado pela cantora brasileira MARISA MONTE, mas eu destaco canções como "Sue Me, Sue You Blues" pelo balanço e o trabalho de slide guitar; "The Light That Has Lighted the World" pela suavidade ,a interpretação comovente de HARRISON; "Don't Let Me Wait Too Long" pela guitarra inconfundível de HARRISON, emprestando um punch dançante,bem pop e agradável; "Living In the Material World",faixa-título, o poder crítico realçado,com forte presença dos metais;"The Lord Loves the One (That Loves the Lord)" minha preferida do disco,simplesmente irresistivel em letra, arranjos e voz; "Be Here Now" uma canção com certa pintura dramática,violões, lembro algo da sonoridade do album branco/WHITE ALBUN dos BEATLES,talvez algo como "long, Long, Long" (Harrison)...e a inesquecível "That Is All",fechando o album brilhantemente, com um andamento  lento, emotivo, sereno, tendo acordes de orgão ao fundo,a guitarra com arpejos e  o  solo típico harrisoniano,identicado em qualquer tempo e lugar, uma jóia musical,pouco citada, da mesma forma como a saudosa FOR YOU BLUE do disco LET IT BE dos beatles -a maioria das pessoas se lembram mais de SOMETHING,do Abbey Road.Enfim, um trabalho do GEORGE HARRISON, que os mais jovens deveram ouvir com extrema atenção,tanto pela musicalidade do artista, como por não encontrar nos dias atuais ,semelhante sonoridade. Lembro que esta obra é de 1973,faz tempo,não,mas o que é bom,não tem prazo de validade!

abçs
everi rudinei carrara-site telescopio.vze.com

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

ROBERTO ROMANELLI MAIA




SOU LOUCO. NADA MAIS.

Roberto Romanelli Maia
Escritor, Jornalista e Poeta


Sou louco, mas num mundo como este em que vivemos, quem assim se considera, não comete um pecado capital, digno de ser levado em conta pela maioria.

Sim, sou louco, um louco manso, que se transforma a cada dia, avançando calma e tranquilamente em uma loucura sã.

Assim, se pensam ou se declaram que sou louco, é verdade!

E para que eu desistiria de ser louco?

Afinal, se a loucura é minha, deixem-me vivê-la e degustá-la, como posso e devo...

Os lúcidos e racionais não são felizes, a não ser que tirem suas máscaras, que escondem a hipocrisia com que vivem, e sentem quase tudo o que está a sua volta.

Não há maldade na loucura; a vida sem loucura seria triste e sem um propósito maior e melhor.

Nós, os insanos, é que assim somos, porque a descobrimos, uma vida de alegria onde o sorriso é autêntico, espontâneo e natural.

Sendo assim, permitam-me saboreá-la a cada instante, para que possa  descobrir que tipo de loucura é aquela que me domina.

Aliás, muito já descobri sobre o teor da minha loucura, nessa minha estada terrena, ao me questionar sobre quem pode dizer o que é a normalidade e a razão! Como se para ser o homem “normal”, que os outros esperam que eu seja, tenha que me separar de meus sonhos e me fazer descrer de minha capacidade de tê-los e de concretizá-los.

Sim, que graça a vida pode ter, sendo e agindo de forma tão “normal”; que risco corro convivendo sabiamente com essa minha loucura?

Será que por ser louco, vou deixar de adentrar no paraíso, ou parar de sentir que não fui compreendido por muitos que me cercam, mesmo sabendo que se mudar, para satisfazê-los, não serei feliz?

Não, não vale a pena, pois me ausentar de mim mesmo será descobrir que não vivi, não sou, não senti, não amei, como quero viver, ser, sentir e amar.

Sei que entre baixos e altos, alegrias e tristezas, realizações e decepções, amor e desamor, eu tentei e consegui!

Descobri que os que não tentam viver, ser, sentir, pensar e amar, de forma natural, verdadeira e espontânea,  nada vão ter para contar, quando olharem para trás. Ao perceberem que passaram por este mundo sem nada mais, a não ser a frustração do que não viveram, não foram, não sentiram, não pensaram, não amaram, e nada descobriram. Numa autoflagelação que somente será percebida quando for tarde, e não houver mais momentos para serem vividos dentro de um conteúdo e de uma essência de viver em sua maior e mais profunda plenitude.

Tudo fruto da acomodação, da omissão, da indiferença e da covardia dos que preferiram optar por manter uma filosofia de vida hipócrita, repleta de mesmices, de lugares comuns, de chavões e de caminhos já trilhados e conhecidos, sem buscar na verdadeira loucura o sonho e a utopia que pode conduzir à felicidade.

Sim, existe alguma dúvida pior e mais triste do que não ter tentado alcançar a felicidade? E a triste certeza de que se parou no meio do caminho, ou se deixou desviar de seus objetivos de vida?

Sim, sou louco, por vontade, por opção e por decisão! Um louco cada dia mais feliz!

E o que pensar da maioria dos “normais”, que  nem desconfia que somente  os loucos sobrevivem, nesse mundo globalizado, porque somente nós, os loucos, sabemos ousar!

Ir até onde a maioria não vai, por comodismo, medo ou insegurança.

Fugir dos parâmetros, dos estereótipos, dos “pratos prontos” e das certezas e verdades discutíveis e questionáveis que, por vezes, revelam apenas falsidades e mentiras!

Para muitos que não importam, nem se interessam por essas reflexões, é preferível seguir os padrões convencionais, para que durante a vida criem ainda mais desamor, violência e guerras insanas.

Nós, os loucos, ao contrário, não nos vergamos ao primeiro impacto do vento escaldante, que vem do sul, nem ao frio congelante que vem do norte.

Não buscamos, retas, planos, sistemas, regras e  normas porque descobrimos algo bem melhor: o saber contornar e  vencer as curvas, sem pensar apenas no espaço e no tempo físico, que pode significar uma redução das nossas expectativas de vida sem ampliá-las.

Afinal, para que desconhecer ou negar que mesmo que o sol seja de todos, podendo aquecer a maioria,  sua sombra deve ser necessariamente descoberta e  conquistada.

Sim, não viemos a esse mundo a passeio, nem de férias! Nem muito menos para agradar aos “normais” com as suas idiossincrasias, esquisitices, debilidades, anomalias, exigências, maus hábitos, incompreensões, desvios de conduta, invejas, etc.

A melhor das certezas, que não é um patrimônio dos “normais”, está não apenas em sentir a firmeza do solo, que nos aventuramos a pisar, mas em descobrir que até nas estrelas existem caminhos que valem a pena ser trilhados.

Sim, sou louco porque me amo, acredito em mim mesmo e na existência de um Ser Divino, não criado nem construído pelo Homem. Por isso me preocupo, ao ver em meu reflexo no espelho as marcas de noites mal dormidas e de dias onde as preocupações são uma rotina desagradável, quase sempre criada pelas circunstâncias e pelos acontecimentos de vida, que me tornam, dia a dia, ainda mais louco!

Não me preocupam os que não acreditam em si mesmos, nem no mundo que compartilham, sem nenhuma glória nem esforço, por acreditarem ser privilegiados, porque conseguiram bens materiais e financeiros e um poder, sempre efêmero, para conquistá-los e mantê-los.

Fugitivos, quanto a se olharem de fato no próprio espelho, sem atentar para os dias, meses e anos que passam, porque optaram por não abandonar a mediocridade dos acomodados, a lividez mórbida dos que pensam estar vivos, mas que morreram dentro de si mesmo, na compaixão dos enlutados, ainda em vida. Sem que nunca tenham usufruído dos sentimentos, das emoções e das sensações criadas pela insubstituível e necessária loucura que os levaria, um dia, a descobrir que tudo valeu a pena!

E como valeu!

Ainda mais se recuperarmos a falsa liberdade, que a sociedade retirou de nós, loucos, para que ela retorne, mesmo limitada e descaracterizada, a tantas vidas de onde nunca deveria ter saído.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

ENTREVISTA COM ADRIANA MANARELLI

tela:chagall
the blue violinist


everi carrara entrevista a poeta ADRIANA MANARELLI

entrevisto  a poeta ADRIANA MANARELLI, que reside em Araçatuba/sp - Em minha humilde opinião trata-se da poeta que conheci no inicio dos anos 2000, e sempre digo que, ao lado da produção do poeta/musico negro EDSON JOSE DA SILVA, é a poeta que mais me  impressionou em nossa cidade e região - pelo seu estilo ousado, criativo e distinto de tudo que havia lido entre os poetas araçatubenses.


1- Como voce se descobriu poeta? 

Todos os dias eu ainda tento descobrir o que eu sou e quem eu sou.


2-ADRIANA MANARELLI,como é viver e ser poeta em Araçatuba?


O trabalho que tento fazer em poesia, seja em Araçatuba ou em qualquer outro lugar, é muito mais intimista, independendo de fronteiras para se desenvolver.
 
3- Sei que voce é leitora e admiradora da obra de SILVIA PLATH,conte-nos um pouco sobre esta poeta.

Silvia Plath foi uma poeta norte-americana confessionalista-surrealista, "mais uma poeta do eu". 
Radicada na Inglaterra, trabalhou com uma mitologia muito pessoal.



4- Sua poesia,dizem que é "muito dificil" - não acha que os leitores em geral, são muito preguiçosos? Não acha,que falta mais curiosidade,senso crítico, entre os leitores e as pessoas,de modo geral?

O que quero que as pessoas entendam é que a arte é diferente a cada olhar. Quando lerem um poema deixem-se levar pelas próprias emoções e pelas próprias bagagens de suas vivências, assim, terão a verdadeira chave para descobri-lo, mesmo que a princípio o poema possa lhes ter parecido sem sentido ou inescrutável.
 
5- Por que os autores em Araçatuba,não se mobilizam mais, por que não há uma identificação mais produtiva, solidária?

Arte vai além da inspiração, ela também é transpiração, o que a torna um trabalho duro e uma luta árdua e muito solitária. 
Quando estou com meus textos, somos somente eu e eles.


6- Voce já leu sobre a bipolaridade,de que forma esta "irregularidade" pode afetar a produção poética - digo isso porque,quando GODARD este internado há muito anos atras, apesar do confronto diario com sua doença, revelou certa sensibilidade especial, um mundo em que somente o "doente" pode se exilar e produzir a partir disso,compreende-me?

Sim, já li. E é claro que acaba influenciando, pois o tom do meu texto será dado de acordo com meu estado de humor.


7- Voce leu algo sobre a obra do ROBERTO PIVA? conseguiu visulaizar alguma identificação entre ele e SYLVIA PLATH?
Conheci a obra de Roberto Piva através de seu livro e vídeo "Paranoia". E encontrei aspectos em que relaciono sua poesia com a de Sylvia Plath, principalmente pelo estilo blasé e a crueza das palavras.


8- O pouco que li de sua autoria, me fez pensar numa poética fortemente influenciada por autoras russas que voce admira -mas qual a fronteira entre o que voce assimilou destas obras e o seu trabalho enquanto poeta?

Não vejo essa influência de autoras russas em meus trabalhos, até porque são pouquíssimas as que conheço a fundo, com exceção de Tsvetáieva, que, aliás, admiro muito, principalmente como ser humano, pela sua história. 


abçs do everi carrara
site cultural telescopio.vze.com

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

UMA LINDA MULHER!







vejam caros amigos,que charme, que elegância, que beleza de MULHER! sei também que se trata de uma MULHER muito culta,inteligente,que sabe ouvir coisas boas como NARA LEÃO/CHICO BUARQUE/BEATLES.....um estilo de MULHER que pouco se vê nos dias atuais.Lembro-me hoje, da atriz/musa e amiga DANIELA ESCOBAR!

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

RAQUEL NAVEIRA

CASULO

Na primavera,
Alimentei-me de folhas,
Cresci,
Tornei-me um verme,
Fiei seda,
Teci um casulo,
Vida escondida e quieta.

Um dia,
Seco por dentro,
Vou me transformar numa borboleta,
Alma morta para o mundo,
Onde tudo descontenta,
Não saberei onde pousar,
Vagarei entre amoreiras brancas.
 
tela:claude verdine

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

RAQUEL NAVEIRA









MANOEL DE BARROS: O ENCONTRO, A CARTA E O FILME
                                                                            Raquel Naveira

“Não seria capaz de reconhecer um rouxinol...
 Será um pássaro roxo?
 Terá na garganta um sol?
                           Raquel Naveira

SABIÁ COM TREVAS IX

“O poema é antes de tudo um inutensílio.”
                           Manoel de Barros

Aos vinte anos, comecei a publicar meus poemas no jornal Correio do Estado de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Com coragem, entrei na sala do Professor Barbosa, proprietário do jornal, mostrei-lhe alguns poemas datilografados, li-os em voz alta e pedi para que os publicasse. Daquele dia em diante, ininterruptamente, por trinta anos, passei a levar o pão da poesia para o meu povo. Quando publiquei o primeiro livro de poesias, intitulado Via Sacra, dez anos depois, em1981, já havia formado um público leitor.
Um dos primeiros poemas que apareceram no jornal foi este “Campestre”:

Há um grilo que brilha
Agarrado à folha
E uma estrela que canta
Presa na mata.

Há um orvalho que escorre
E morre na grama.
Há uma rosa que perfuma
E penetra na cama.

Há pessoas que falam,
Ao redor de luzes esparsas,
As faces imersas na cor do fogo,
Um jogo de cartas...

Há louças recostadas na pedra,
Plantas amontoadas nas janelas,
Panelas mágicas nas paredes,
Estranhos doces em gamelas...

Há silêncios que preparam auroras,
Preces que desfiam as horas,
Medos de bichos e caaporas.

Há tanta paz.
Tanta paz onde moras.

No mesmo dia de sua publicação, recebi o telefonema da professora Glorinha, mestra de Literatura e de vida, informando-me com entusiasmo que o poeta Manoel de Barros lera o poema, gostara muito e vaticinara: “_ Há uma poeta entre nós.” Marcamos então um encontro na sua antiga casa, da rua Rui Barbosa. Lá estava eu, com alguns poemas numa pasta, trêmula, aguardando-o na sala com cadeiras de palhinha. Ele me levou ao escritório, cheio de livros, cadernetas, um quadro de Picasso. Falou que leria os poemas, mas seria duro, cortaria, criticaria, usaria a lima, atingiria com espada os ossos até a medula das palavras. A certa altura da conversa, chorei, chorei muitíssimo, porque a paixão pelo ofício, pela chama azul e vermelha da Poesia me consumia, me queimava.
Alguns dias depois, ele me enviou uma carta generosa e paciente, escrita a lápis, com sua letrinha miúda. Guardo essa carta, verdadeiro tratado sobre poética, com imenso carinho. O poeta maduro e sofrido, compartilhando seu conhecimento intuitivo, existencial e de poesia com a  jovem aprendiz. Dizia a carta:

“Raquel,

Conselhos não vou dar. Nem a poetas se dá isso. Poeta é sempre nuvem. Em você subjaz a sensibilidade, o resto você desbrava. Ou então ela, a poesia, é que a vai desbravar.
Achei desiguais seus poemas. Em alguns você consegue a transfiguração da realidade. Cito a “Feira” da qual já falamos. Talvez isso em você depende da maneira de construir o poema. Veja uma coisa. O poema “Árvore Aberta”. Vou lendo, sem me transportar, (você não me tirou em uma imagem qualquer da realidade), vou lendo encarando a árvore como árvore comum. Ao fim é que notei a imagem que transfigura: o poeta é uma árvore aberta! Lido o poema de novo, já com a imagem transfigurando a árvore-comum para poeta-árvore, daí então a poesia se comunicou.  Há muita coisa sua com essa feitura. É preciso colocar o leitor desde o primeiro verso, se possível, ou desde a primeira estrofe, dentro da supra-realidade. É preciso que se implante a mágica. E mágica, em poesia, você sabe, é com metáfora que a gente implanta. Ou com música. Sei lá, um mistério desses.
Noto ainda que você dá mais importância aos sentimentos do que às palavras. Aos movimentos do coração mais que os da inteligência. Você tem um mundo interior muito bonito e se empolga com ele, esquecendo um pouco o verso, essa unidade rítmica do poema. Sinto que você quer se contar e, muitas vezes, para isso, se derrama quase prosaica.
Eu acho que a gente tem obrigação de escolher as palavras, ou, pelo menos, rejeitar algumas que soam feias. Eu acho a palavra Trago muito feia. Eu não a usaria nunca para título. Bem sei que por um casamento certas palavras feias viram bonitas. Assim, desafiaram uma vez o poeta Manuel Bandeira para embelezar a palavra protonotário (feia em si). Pois o poeta arrumou um poema de ritmo tão bonito e amigo que deu certa aura de simpatia a protonotário.
Eu evitaria alguns lugares-comuns como estes: desejos frustrados; reflexos prateados; alegria de viver; sonhos inatingíveis; estéril deserto; etc. Lugar-comum é esclerose da língua. Poeta tem como função descobrir novas relações para as palavras. Exemplo um. Em vez do surrado luar prateado, o poeta Jorge de Lima inventou o luar salobro. Assim, ele renovou a linguagem, salvando o luar da esclerose. Acho melhor, para a poesia, dizer conspícua borboleta do que brejeira borboleta; melhor brejeiro anacoreta do que conspícuo anacoreta. Coisas assim que ensinam a penetrar no reino das palavras.
Outra coisa. Elemento construtivo do verso é o ritmo. Verso é mesmo uma construção fônica. Cato em você uma frase: “Onde as graves consequências do que se afirma?” Dentro às vezes de um outro contexto poderia até valer, mas ali me pareceu sem força de verso. Sei que não se pode julgar um verso fora do contexto. Ás vezes sua força vem de outras ideias e outros ritmos que estão para trás. Sei de tudo isso. Sei que o que comanda o ritmo de um verso pode ser até uma imagem ou mesmo uma só palavra. Mas me pareceu esse um verso que está sem o ritmo que o possa tornar poético.
Gostei de alguns poemas do livro que achei à altura daquele que me chamou a atenção. O seu mundo interior é fascinante, mas não se empolgue tanto em conta-lo. O fazer poético é que torna o poema durável. Não é seu assunto. Todos os assuntos já foram ditos. Mas eles só ficam na terra se fundados, inventados de novo pela linguagem, transfigurados.
Tirei alguns exemplos de versos, palavras, ao acaso, de seu livrinho. Este é um comentário carrasco. Poderia também  destacar os versos bons, os poemas bons. Fiz uma pequena cruz nos poemas que gosto. Sei que você, com aplicação, com trabalho, penetrando no reino das palavras, dando especial atenção a cada verso- sei que você poderá transformar toda a matéria em boa poesia. Porque são bons, são lindos os sentimentos.
Raquel, na verdade eu não gosto da realidade. E quando alguma coisa me joga fora dela, eu gosto. O Cão sem Plumas é nome de um livro de João Cabral, como você sabe. Só o título já nos põe fora da realidade. Entende-se que no mundo do poeta os cães têm  plumas; mas ele vai falar de um cão sem plumas que é a sua poesia pelada, rigorosa, sem plumagem de adjetivos. Maiakóvski tem um livro chamado A Nuvem de Calças. Logo o título bota a gente fora da realidade. A nuvem dele é um ente de calças com a cabeça nas nuvens. Acho importante a transfiguração da realidade Um dia inventei um alicate cremoso. Coisa absurda, irreal  . Mas trouxe-me uma sensação boa de reconciliação dos meus contrários. As nossas contradições profundas às vezes se reconciliam através de um casamento anômalo entre palavras.
Depois, enfim, ninguém sabe nada sobre poesia. Mas é bom conversar sobre ela. Gosto mais das coisas que eu não entendo. Principalmente gosto daquelas que eu entendo de diversas maneiras. A ambiguidade é que abre o poema para todos os desentendimentos.

Abraço para você e Ademar,

                              Manoel”


Todas essas recordações jorraram aos borbotões na memória, depois de ter assistido ao documentário Só Dez por Cento é Mentira, do cineasta Pedro Cezar. Emocionei-me ao ver as ruas largas de minha cidade, a Avenida do Poeta tingida de pôr-do-sol, as árvores do cerrado em forma de arabescos negros e o casario do Porto de Corumbá, à beira do rio Paraguai, com os muros caiados, cobertos de musgo, que guardam séculos de história e decadência. Emocionei-me ao ver o poeta se entregando ao cineasta e o cineasta se entregando ao poeta. Uma entrega de amor e fina sintonia. O poeta respondendo às perguntas com brilho de inteligência e humor. O cineasta captando cada detalhe, cada palavra, cada gesto, cada objeto como moldura e base da gênese da poesia. As pessoas que dão seus depoimentos sobre o poeta como Bianca Ramoneda, Viviane Mosé, Abílio de Barros, João de Barros, tornam-se personagens de uma história maior: a magia de conviver com o poeta e sua obra. E há os personagens fictícios que se misturam aos reais, com mais realidade ainda: são duplos, máscaras, alteregos, seres fantásticos, capazes de criar inutensílios e guardar águas como o Poeta.
As duas vertentes mais fortes do documentário são: a reflexão sobre arte e a volta à infância. Na arte, a poesia se configura como loucura de palavras, montagem de imagens ilógicas, matéria e poesia retirada do lixo, do monturo, do que a civilização joga fora como inútil. A infância é o lugar marcado pelo êxtase da vida, jogo inocente do que se faz e experimenta. É saudade de um tempo pleno que se renova constantemente em devaneios. É o estado primordial, inaugural, potência e reinvenção. Assim como Drummond, Manoel de Barros é o Menino Antigo.
O documentário tem um grand final, uma chave de ouro que fecha, explica, eleva e confirma o universo do Poeta: um desfile dos personagens e suas referências.
O professor carioca Nicolino Novello escreveu no seu livro Onde andará Cristiano?(Rio de Janeiro: Senai Artes Gráficas, 2007), no ensaio “Manoel e Raquel: sabiá e rouxinol em concerto”, que eu era o rouxinol e Manoel de Barros, o sabiá. Transcrevo trecho:

“Se o sabiá, um pássaro abundante em terras pantaneiras e de um canto característico, parecendo repetitivo como se maturasse seu gorjeio em busca do mais original e poético, cujas várias nuances consegue ultrapassar a identificação e a beleza com seu ambiente, os diferentes cantos de Manoel de Barros também se nutrem numa demorada troca de substâncias para que a poesia rompa os limites do humano e do verossímil. Por outro lado, como um pássaro agregado ao meio, sempre recolhido e cantando em seu arvoredo, que somente daí se ausenta para cantar o ilimitado da memória, da beleza, do imaginário e do real (assim esse pássaro acabou com a tristeza do imperador da China e da margarida triste), o rouxinol de Raquel Naveira vem completar, ao lado de Manoel de Barros, outras vertentes da riqueza poética em Mato Grosso do Sul.”

 Sou rouxinol sim, que canta com um sol na garganta. Manoel de Barros é sabiá com trevas. O filme de Pedro Cezar arrastou-me para o nosso habitat de pássaros e poetas: o firmamento azul, o horizonte de nossa terra e de nossas almas.